quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O advento da EC nº 58/2009 e seus efeitos na LDO e LOA já editadas pelo Município em 2009

Em resposta à dúvida da eminente colega Juliana De Podestà, apresento a seguir meu posicionamento a respeito da problemática envolvendo as eventuais incompatibilidades de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovadas pelos Municípios em 2009 e a redação dos incisos do art. 29-A da CF/88 alterada pela EC nº 58/2009.

De acordo com a atual redação do art. 29-A, inciso I, da CF/88, o total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar o percentual de 7% (sete por cento) para Municípios com população de até 100.000 (cem mil) habitantes, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior.

Anote-se que a redação do inciso do art. 29-A foi acrescida pela EC nº 58, de 23 de setembro de 2009. Consoante o inciso II do art. 3º da mencionada emenda, os dispositivos alterados só produzirão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2010.

Na redação anterior à EC nº 58/2009, dada pela EC nº 25/2000, tal percentual para os Municípios com população de até 100.000 habitantes era de 8%.

Sendo assim, é patente que a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de diversos Municípios foram aprovadas em meados de 2009, basearam-se, quanto ao repasse de duodécimo ao Poder Legislativo Municipal, nos percentuais estabelecidos pelo art. 29-A da CF/88 então vigentes à época.

Logo, surge o questionamento: neste caso, considerando que a LOA e LDO municipais aprovadas em 2009 referem-se ao exercício de 2010 e tendo em vista que a EC nº 58/2009 reduz em 1% o total da despesa do Poder Legislativo Municipal, haverão ou não a obrigatoriedade de redução de tal percentual na execução orçamentária durante o exercício de 2010?

Inicialmente, convém frisar que o valor do repasse à Câmara Municipal deve corresponder àquele estabelecido na Lei Orçamentária Anual (LOA) do respectivo município, respeitando-se a limitação imposta pela Constituição Federal.

Desse modo, se a limitação imposta pela EC n° 58/2009 só começou a produzir efeitos a partir de janeiro de 2010, todos os atos que compunham o processo legislativo municipal que culminou com a aprovação da LOA pelos municípios no ano de 2009 [o que inclui o valor do repasse do duodécimo para o exercício de 2010] foram praticados validamente, de acordo com o ordenamento constitucional então vigente, uma vez que não vigia a limitação de gastos das Câmaras Municipais instituída pela EC n° 58/2009, mas sim os percentuais definidos no art. 29-A da CF, com a redação original da EC n° 25/2000.

Sendo assim, a LOA devidamente aprovada em 2009 pelo município constitui “ato jurídico perfeito”, estando, pois, imune à incidência dos efeitos da EC n° 58/2009.

Ora, a não incidência dos efeitos da EC nº 58/2009 encontra amparo na garantia fundamental da segurança jurídica consagrada pelo art. 5º, XXVI, da CF/88, e pela jurisprudência do STF.

Neste caso, a atuação do Poder Constituinte Derivado Reformador não possui aptidão para surtir efeitos diante de ato jurídico perfeito e acabado, no caso, a LDO e LOA devidamente aprovadas e publicadas. Anote-se que, de acordo com autorizada doutrina, a intangibilidade do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada alcança inclusive as Emendas Constitucionais (LUÍS ROBERTO BARROSO, ALEXANDRE DE MORAES, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, MARIA SYLVIA DI PIETRO, UADI LAMMÊGO BULOS e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO).

Mutatis mutandis, pode-se aplicar à situação ora analisada as razões da decisão proferida pelo Pleno do STF em 11/11/2009 na oportunidade da apreciação do referendo à medida liminar concedia pela Min. Carmem Lúcia na ADI n° 4307, que trata sobre a inconstitucionalidade da retroação da regra que estabelecia o número máximo de vereadores (art. 1° da EC 58/2009):

“A eleição é um processo político aperfeiçoado segundo as normas jurídicas vigentes em sua preparação e sua realização. As eleições de 2008 constituem, assim, processo político juridicamente perfeito. Guarda, pois, inteira coerência com a garantia de segurança jurídica que resguarda o ato jurídico perfeito, de modo expresso e imodificável até mesmo pela atuação do constituinte reformador (art. 5°, inc. XXXVI, da Constituição). E, note-se, que nem mesmo Emenda Constitucional pode sequer tender a abolir tal garantia (inc. IV do § 4° do art. 60 da Constituição do Brasil)”.(Acórdão publicado no DJe em 05/03/2010)
A partir do trecho acima transcrito, vislumbra-se o ponto nodal da questão: é vedada a retroação de norma jurídica, inclusive Emenda Constitucional, que venha a impedir ou modificar a produção de efeitos de um ato praticado em estrita observância às regras delimitadoras do seu conteúdo e cujos atos antecedentes que compõem o iter procedimental de sua formação tiverem sido realizados em conformidade com o procedimento preestabelecido pelo ordenamento jurídico-constitucional então vigente.

Assim como o resultado das Eleições Municipais de 2008, o processo legislativo de produção da LOA constitui-se em um processo juridicamente perfeito e acabado, estando, assim, assegurado pelo princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações.

No caso em tela, ainda que os efeitos jurídicos da LOA aprovada em 2009 devam ser efetivados no ano de 2010 (já sob a vigência da EC n° 58/2009), a projeção de tais efeitos deve ocorrer conforme a regra vigente à época em que o processo legislativo de formação da lei orçamentária se aperfeiçoou, ou seja, sob a égide da redação do art. 29-A, I, da CF, estabelecida pela EC n° 25/2000.

Tem-se, assim, que, uma vez aprovada a LOA em 2009 conforme os percentuais então vigentes, o Poder Legislativo Municipal passa a ostentar um “direito público subjetivo” exercitável em face do Poder Executivo consistente na correta execução do orçamento conforme o duodécimo que lhe foi destinado pela LOA (8%).

2 comentários:

  1. Prezado Victor, muito elucidativo! As decisões judiciais acerca do tema ainda são muito divergentes... achei muito interessante essa sua análise sob o enfoque do "ato jurídico perfeito". Obrigada pelo auxílio!

    Abraço, Juliana De Podestà

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  2. Farsa temos que combinar um dia prá trocarmos ideia sobre o tema! rs
    O processo entrou em pauta para 5ª f. que vem se não me engano... vamos ver se os demais vão acompanhar! bjos

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