terça-feira, 22 de maio de 2012

Prof. Victor tece comentários sobre lei do Rio de Janeiro que estabelece cotas para negros e índios em concursos públicos

O Prof. Victor Amorim concedeu entrevista ao site da Editora Ferreira sobre um assunto delicado: a instituição de cotas para negros e índios nos concursos públicos realizados pelo Município do Rio de Janeiro/RJ.

Confira no link a reportagem publicada no site da Editora Ferreira em 22/05/2012.



Segue abaixo o conteúdo integral da entrevista:

Editora Ferreira: O prefeito Eduardo Paes sancionou, na última segunda-feira (14), uma lei que reserva 20% das vagas em concursos públicos do município para negros e índios. Qual é a sua opinião sobre essa medida?

Victor Amorim: Trata-se da Lei Municipal nº 5.401, de 14 de maio de 2012. A norma determina que seja reservado aos negros e índios 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos integrantes dos quadros permanentes de pessoal do Poder Executivo e das entidades da Administração Indireta do Município do Rio de Janeiro. De acordo com o §4º do art. 1º, “será considerado negro ou índio o candidato que assim se declare no momento da inscrição”. Logo, para concorrer às vagas reservadas, bastará que o candidato se declare “negro” ou “índio”. Contudo, tal situação deverá ser posteriormente verificada, de modo que, se for detectada a falsidade da declaração, será o candidato eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço público. Contudo, em minha visão, há um problema gerado pela falta de especificação quanto à forma, os critérios e o procedimento de confirmação da situação de “negro” ou “índio” então declarada. A Lei nº 5.401/2012 não estabelece critérios objetivos para possibilitar à Administração “detectar” a falsidade da declaração ou, por outro lado, confirmá-la. É certo que a medida restará incompleta se não dispor sobre mecanismos para averiguar a declaração daqueles candidatos que almejem concorrer às vagas reservadas, sob pena de comprometer a segurança jurídica e a isonomia e igualdade de condições nos concursos. De acordo com o art. 4º, “a reserva de vagas a que se refere a presente Lei constará expressamente dos editais de concurso público, devendo a entidade realizadora do certame fornecer toda orientação necessária aos candidatos interessados nas vagas reservadas”. Ora, parece ser temerário delegar às entidades organizadoras dos certames – em sua maioria, entidades privadas com fins lucrativos – a competência para estabelecer critérios objetivos para considerar determinado candidato como “negro” ou “índio”. O mais adequado, a meu ver, é o estabelecimento objetivo e comum a todos os certames por meio de lei ou, ainda, de decreto, assim como se dá no âmbito federal em relação aos portadores de deficiência, conforme dispõe o Decreto nº 3.298, de 20/12/1999.

Editora Ferreira: Em 2007, os irmãos gêmeos idênticos Alan e Alex se inscreveram para as cotas de negros no vestibular da Unb, porém um deles foi aceito e outro não. Existem critérios objetivos para definir se uma pessoa é branca ou negra? Como é feita essa avaliação?

Victor Amorim: Podemos considerar a experiência do vestibular da Universidade de Brasília como uma das pioneiras e mais emblemáticas em relação ao sistema de cotas para negros. O vestibular da UnB é realizado por meio de dois sistemas de vagas: o Sistema Universal e o Sistema de Cotas para Negros. Para concorrer por meio do Sistema de Cotas para Negros, o candidato deverá ser negro de cor preta ou parda. Para tanto, terá de assim o declarar e submeter-se a uma entrevista pessoal, oportunidade na qual será aferida a presença de “traços fenotípicos que o caracterizem como negro”, conforme expressão utilizada nos editais da UnB. Percebe-se, portanto, que não há um critério objetivo, de modo a possibilitar o conhecimento prévio por parte da sociedade quanto ao modo de condução da Banca Examinadora. Penso que isso gera um alto grau de incerteza aos certames, maculando os primados da isonomia, igualdade e segurança jurídica. Tanto é verdade, que vivemos a terrível experiência referida na pergunta: o caso dos irmãos gêmeos univitelinos Alan e Alex em 2007. Ainda não estou a questionar o mérito do sistema de cotas, mas creio que é preciso evoluir consideravelmente na objetivação dos critérios de avaliação quanto à situação dos candidatos, sob risco de perpetuar injustiças e instituir verdadeiros “tribunais raciais” no Brasil.

Editora Ferreira: Você acredita que uma lei que tem por base igualar as oportunidades possa trazer consequências negativas à sociedade brasileira?

Victor Amorim: Acredito que, por vivermos em um Estado Democrático de Direito, a efetiva observância dos ditames constitucionais gera a necessidade de se adotar medidas para implementar uma sociedade materialmente igual, não se contentando com a igualdade formal típica de um Estado liberal. Nesse contexto, desponta a importância das ações afirmativas, como prática de justiça social, decorrente da ideia de que é preciso tratar com diferença os grupos para tornar suas relações mais justas. É o que chamamos de “discriminação positiva”. A grosso modo, com vistas a implementar a igualdade material, o Estado busca tratar os desiguais na medida de sua desigualdade. Dessa forma, o Estado distribui recursos públicos que pertencem igualmente a todos de maneira desigual para promover o bem geral, o interesse comum e o interesse nacional. A própria Constituição Federal, em diversas passagens, prevê a necessidade de tratamento diferenciado: deficientes físicos, idosos, micro e pequenas empresas... Em relação às cotas para negros, é preciso levantar o seguinte questionamento: além da noção de justiça social, as ações afirmativas poderão ter como fundamento a ideia de “reparação” como correção de uma injustiça histórica? As cotas “raciais” são justificadas pela necessidade de reparar a injustiça da escravidão cometida no passado histórico e, assim, beneficiar os descendentes dos negros. Penso que o conceito de “reparação” é por demasiado fluído e obscuro, podendo acarretar cisões profundas na sociedade brasileira. No fundo, o que se está a buscar é a melhoria das condições socioeconômicas da população pobre e miserável. Em razão da ausência de um processo de inclusão e formação da população negra após o fim da escravidão, é inegável que grande parte da população pobre no país é composta por descendentes diretos de indivíduos que ficaram à margem do processo de desenvolvimento da nação. Contudo, não se pode dizer que sejam exclusivamente negras. Ademais, o fenótipo de um indivíduo não pode assegurar com a certeza necessária a sua ascendência negra. Pesquisas recentes mostram que há brancos com alto grau de material genético característico dos africanos, da mesma forma que existem pessoas de cor preta ou parda com considerável material genético de origem europeia. Por isso eu insisto que o critério das cotas raciais é um critério inseguro, subjetivo e, assim, sujeito a críticas razoáveis. Logo, o mais adequado seria o estabelecimento de ações afirmativas com base em critérios sócio-econômicos, pois que, inequivocadamente, contemplariam a população negra que necessite de tais medidas para o seu desenvolvimento.

Um comentário:

  1. Correta a sua conclusão.
    Brancos não são menos brasileiros do que negros e o que interessa é ajudar quem necessita, independentemente da cor da pele.

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