1. BREVE SÍNTESE DO CONTEXTO
Em 18/11/2011, foi promulgada a Lei nº 12.527, denominada “Lei de Acesso à Informação” (LAI), que regula o acesso a informações de interesse público por parte dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
De acordo com o art. 47, a norma entra em vigor 180 dias após a data de sua publicação.
Por sua vez, ante o início de vigência da lei no mês de maio de 2012, a Presidenta da República, em 16/05/2012, editou o Decreto nº 7.724, com o fito de regulamentar a aplicação da Lei nº 12.527/2011 no âmbito do Poder Executivo Federal.
O decreto regulamentar, em seu art. 7º, §3º, inciso VI, prevê que deverão ser divulgadas, de forma individualizada, a remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo outras vantagens pessoais.
Desta feita, ante a falta de delimitação objetiva a respeito da abrangência do conceito de “informação pessoal”, cuja divulgação é restringida pelo art. 6º, III, da Lei nº 12.527/2011, instaurou-se celeuma quanto à forma de veiculação dos dados remuneratórios dos servidores públicos não só do Poder Executivo Federal, como também aqueles oriundos de outros Poderes e esferas federativas.
Logo, faz-se necessário apresentar algumas considerações concernentes ao tema.
2. DA ANÁLISE JURÍDICA
2.1. DO ACESSO À INFORMAÇÃO E O DEVER DE PROTEÇÃO À INTIMIDADE
A Lei nº 12.527/2011 tem por objetivo regulamentar o acesso à informações de caráter público conforme previsão contida no art. 5º, XXXIII; art. 37, §3º, II; e art. 216, §2º, da Constituição Federal.
É cediço que a Carta Magna constitui um sistema de princípios e regras que se relacionam de modo coeso, apresentando uma unidade interna e mecanismos de resolução de aparentes antinomias que, eventualmente, emergem na instância de interpretação/aplicação do direito (Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UnB, 1999, p. 49).
Emana da Constituição, tendo em vista a forma republicana de governo, o princípio da publicidade a ser observado pelo Poder Público. Nos dizeres de NOBERTO BOBBIO, o governo deve ser público, em público.
Consoante ensinamento de UADI LAMMEGO BULOS, “o princípio da publicidade administrativa tem por escopo manter a total transparência na prática dos atos da Administração Pública, que não poderá ocular do administrado o conhecimento de assuntos que o interessam direta ou indiretamente”(in Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 806).
O próprio texto constitucional consagra expressamente o contraponto ao princípio da publicidade na Administração, deixando claro que, assim como qualquer direito ou garantia fundamental, a transparência não é absoluta, dada a incidência de outros princípios e valores colidentes em situações pontuais.
Tem-se, assim, que a publicidade é a regra, sendo admitidas as exceções. No caso, aplica-se à Administração Pública a exceção prevista no inciso LX, do art. 5º, da CF, que estabelece a possibilidade de restrição de acesso à informação quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.
Tal compreensão norteou o legislador federal ao dispor no art. 6º, inciso III, da Lei nº 12.527/2011 que, cabe aos órgãos e entidades do Poder Público, assegurar a “proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade e eventual restrição de acesso”.
A seu turno, na esteira do art. 3º, IV, da LAI, o Decreto nº 7.724/2012 apresenta o conceito de informação pessoal: “informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, relativa à intimidade, vida privada, honra e imagem”.
Ao atender os ditames constitucionais e legais que impõem o dever de promover a divulgação de informações de ordem funcional, a Administração observará os limites decorrentes do direito fundamental dos servidores à proteção de sua vida privada.
Sobre o tema, há que se observar o disposto no art. 31 da LAI, in verbis:
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; eII - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.§ 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.
Em termos objetivos, sob pena de responsabilização (art. 31, §2º, da LAI), a autoridade competente, ao franquear o acesso às informações funcionais, deverá abster-se de disponibilizar aquelas informações que repercutam na esfera particular dos servidores, ainda que de forma indireta.
2.2. DA DELIMITAÇÃO DA RESTRIÇÃO DE ACESSO ÀS INFORMAÇÕES DE ORDEM PESSOAL
A partir da leitura da Lei nº 12.527/2011, não é clarividente o dever de divulgação dos dados remuneratórios dos agentes públicos.
A positivação de tal obrigação deu-se com o advento do Decreto nº 7.724/2012, que, materializando o exercício da competência regulamentar da Presidenta da República (art. 84, VI, CF), vincula tão somente os órgãos do Poder Executivo Federal.
O art. 7º, §3º, inciso VI, do Decreto nº 7.724/2012 prevê que deverão ser divulgadas, de forma individualizada, a remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo outras vantagens pessoais.
Conforme ensinamento consagrado na doutrina pátria, “remuneração é o montante percebido pelo servidor público a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrência de sua situação funcional” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 623.).
Subsídio trata-se da remuneração do membro de Poder, de detentor de cargo eletivo, dos Ministros de Estado e dos Secretários Estaduais e Municipais, consoante redação do art. 39, §4º, da Constituição.
Em complemento, vantagens pecuniárias são as parcelas pecuniárias acrescidas ao vencimento-base em decorrência de uma situação fática previamente estabelecida na norma jurídica pertinente. Em suma, são vantagens pecuniárias os adicionais e as gratificações.
Pode-se, a bem da verdade, subdividir tais vantagens em “parcelas variáveis” (que correspondem à retribuição pelo desempenho de funções especiais que fogem da rotina burocrática: hora-extra, função comissionada, diárias, gratificação por encargo de curso ou concurso, auxílio alimentação, auxílio creche, etc.) e “vantagens pessoais” (adicional de tempo de serviço, adicional de especialização, VPNI, entre outras).
Em razão de regras constitucionais e legais, incidem sobre a remuneração e o subsídio alguns descontos obrigatórios, como a contribuição previdenciária e o imposto de renda.
A retribuição pecuniária devida ao agente público é, portanto, expressada em dois termos: “bruto” e “líquido”.
Destarte, cabem as seguintes indagações:
a) quais seriam os dados remuneratórios passíveis de divulgação, tendo em vista a necessidade de proteção às informações pessoais dos servidores?
Considerando que são informações pessoais aquelas relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem do servidor, é cediço que deverá ser restringida a divulgação daqueles dados remuneratórios que permitam ao interlocutor ter conhecimento da destinação conferida à remuneração pelo agente público. Como exemplo, despontam as deduções pessoais referentes às pensões alimentícias e demais consignações (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc). Cumpre esclarecer que deverá ser restrita a informação quando seja constatado que a divulgação poderá fornecer elementos suficientes ao interlocutor que o possibilitem a, de forma indireta, deduzir a destinação da remuneração.
Portanto, não há dúvida relativa à publicidade das informações referentes à remuneração bruta do servidor, bem como as parcelas que a integram.
Nesse sentir, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 3902, é categórico ao afirmar que o objeto de interesse público é apenas a remuneração bruta dos cargos e empregos titularizados pelo servidor público.
b) quais os dados remuneratórios enquadram-se no conceito de informações pessoais?
Não deverão ser divulgados, por enquadrarem-se no conceito de informações pessoais, os dados remuneratórios correspondentes aos descontos facultativos (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc), bem como a quantia monetária relativa à retenção de imposto de renda, porquanto, valendo-se do conhecimento do valor do vencimento-padrão concernente ao padrão funcional do servidor (informação pública), será possível calcular a alíquota de desconto e, dessa forma, mensurar a dedução na base de cálculo correspondente aos dependentes registrados, chegando-se, assim, ao seu quantitativo, de acordo com o disposto no art. 12-A da Lei nº 7.713/1988 e art. 3º, incisos I e II, da Instrução Normativa RFB nº 1.142, de 31 de março de 2011.
Ora, além de o dado sobre o quantitativo de dependentes constituir-se como informação relativa à vida privada, incide sobre a espécie a proteção ao sigilo fiscal consagrado pelo art. 5º, XII, da CF, que liga-se, diretamente, à ideia de proteção à vida privada do cidadão.
Da mesma forma, em vista da necessidade de evitar a disponibilização de elementos que possibilitem ao interlocutor deduzir a destinação da remuneração, não deverá ser divulgada a remuneração líquida percebida pelo servidor, porquanto tal dado poderá gerar o conhecimento indireto dos descontos facultativos e do valor da retenção do imposto e de renda.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, é possível concluir que:
a) ao atender os ditames constitucionais e legais que impõem o dever de promover a divulgação de informações de ordem funcional, a Administração observará os limites decorrentes do direito fundamental dos servidores à proteção de sua vida privada;
b) sob pena de responsabilização (art. 31, §2º, da LAI), a autoridade competente, ao franquear o acesso às informações funcionais, deverá abster-se de disponibilizar aquelas informações que repercutam na esfera particular dos servidores, ainda que de forma indireta;
c) deverão ser divulgadas as informações referentes à remuneração bruta do servidor, bem como as parcelas que a integram;
d) deverá ser restrita a informação quando seja constatado que a divulgação poderá fornecer elementos suficientes ao interlocutor que o possibilitem a, de forma direta ou indireta, deduzir a destinação da remuneração;
e) não deverão ser divulgados, por enquadrarem-se no conceito de informações pessoais, os dados remuneratórios correspondentes aos descontos facultativos (empréstimos, planos de saúde, associações esportivas, seguros, etc), bem como a quantia monetária relativa à retenção de imposto de renda, porquanto, valendo-se do conhecimento do valor do vencimento-padrão concernente ao padrão funcional do servidor (informação pública), será possível calcular a alíquota de desconto e, dessa forma, mensurar a dedução na base de cálculo correspondente aos dependentes registrados, chegando-se, assim, ao seu quantitativo.
S. m. j., é o meu entendimento.
Victor Amorim
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