quinta-feira, 15 de julho de 2010

Análise de questões de concursos

Ultimamente, tem-se observado um vertiginoso crescimento no número de concursos públicos realizados e, em igual escala, desenvolve-se a capacitação e preparo dos candidatos.

Não há dúvida que as provas, cada vez mais, apresentam-se complexas e com um considerável grau de dificuldade, exigindo um profundo conhecimento por parte dos candidatos.

Tal realidade é mais evidente nos concursos públicos de ponta, especialmente para o ingresso na carreira da magistratura ou do Ministério Público.

Iniciaremos na data de hoje uma série de análises de questões selecionadas a partir dos últimos concursos para Procurador da República e Juiz Federal.

Vejamos a seguinte questão da prova objetiva do 24º Concurso para provimento de cargos de Procurador da República:
4. É verdadeira a seguinte sentença:
a) O patriotismo constitucional defende as mutações constitucionais exogenéticas.
b) É obrigação condicional do Estado-membro custear o exame de DNA em favor de hipossuficientes.
c) A teoria constitucional discursivo-dialógica interliga autonomia pública e autonomia privada.
d) O constitucionalismo whig (ou termidoriano) defende mudanças constitucionais bruscas ou revolucionárias.
Consoante o gabarito oficial, seria a letra "c" a alternativa correta. Passemos à análise específica de cada proposição:

a) O patriotismo constitucional defende as mutações constitucionais exogenéticas?

Não. O patriotismo constitucional, opondo-se à noção tradicional de nacionalismo, enfatiza a idéia da constituição como elo de ligação entre os cidadãos com base nos pressupostos do Estado Democrático de Direito e nos direitos humanos. Dessa forma, o patriotismo constitucional promove a construção de uma identidade coletiva a partir da Constituição, como fruto do consenso e da participação de todos os cidadãos.

Por sua vez, com fundamento nos ensinamentos de J. J. GOMES CANOTILHO, a “mutação constitucional exogenética” seria uma espécie de mutação constitucional inconstitucional, dado que extrapola os limites interpretativos valendo-se de elementos extra-Constituição que contrariam e/ou são alheios ao programa da norma constitucional.

Portanto, percebe-se que os “institutos” tratados na alternativa “a” são conflitantes entre si, motivo pelo qual há que se considerar falsa a proposição que pretende conciliá-los.

b) É obrigação condicional do Estado-membro custear o exame de DNA em favor de hipossuficientes.

A avaliação da alternativa “b” demanda conhecimento específico do candidato a respeito da jurisprudência do STF sobre o tema do “controle das políticas públicas”.

No julgamento do RE 224775/MS (rel. Min. Néri da Silveira, j. 24/05/2002), concluiu a Corte Suprema que, por ser auto-executável o art. 5º, LXXIV, da CF/88, cabe ao Estado custear o exame pericial de DNA para os beneficiários da assistência judiciária gratuita. O Tribunal teve a oportunidade de ratificar o entendimento no RE 207732/MS (rel. Min. Ellen Gracie, j. 11/06/2002).

Portanto, reconhece o STF que, em sendo dever do Estado, nos termos do art. 5º, LXXIV, da CF/88, assegurar o pleno acesso à Justiça, se for o caso, deverá viabilizar todas as condições para o exercício dos direitos e a sua plena defesa por parte dos hipossuficientes. Logo, em sendo necessária a realização de exame de DNA, deverá o Estado fornecê-los àqueles beneficiários da justiça gratuita.

Dessa forma, por não estar a obrigação do Estado em fornecer o exame de DNA aos beneficiários da justiça gratuita (hipossuficientes) sujeita a qualquer termo ou condição, mostra-se incorreta a alternativa “b”.

c) A teoria constitucional discursivo-dialógica interliga autonomia pública e autonomia privada.

A chamada teoria discursiva-dialógica, desenvolvida por JURGEN HABERMAS, propõe um cruzamento entre normas procedimentais coativas e argumentação, de maneira que o procedimento juridicizado não deve pré-julgar ou dirigir a lógica da argumentação. Dessa forma, uma sociedade verdadeiramente democrática não pode prescindir da oportunização de condições isonômicas para o debate. Logo, a democracia não pode ser concedida, nem realizada, mediante a tutela ou regência de quem quer que seja. Portanto, como afirma HABERMAS, não há autonomia pública sem autonomia privada, e vice-versa, e as condições sob as quais o exercício da autonomia deve dar-se, como única fonte possível de legitimidade política moderna, só se estabelecem através de um processo de aprendizado social vivido diretamente pelos próprios cidadãos.

Com efeito, partindo-se de tais formulações teóricas, cumpre depreender que a alternativa “c” é correta.

d) O constitucionalismo whig (ou termidoriano) defende mudanças constitucionais bruscas ou revolucionárias.

Tal alternativa exige o conhecimento da evolução histórica do movimento constitucionalista. Em 1688, na Inglaterra, ocorre a chamada Revolução Gloriosa, que resultou na estruturação de uma monarquia constitucionalista, assumindo o trono Guilherme de Orange, que concedeu diversas prerrogativas aos parlamentares e implementou, em 1689, o Bill of Rights (lista de direitos).

No estudo da evolução do Direito Constitucional, tal evolução jurídico-estrutural do poder no Reino Unido é denominada de “constitucionalismo whig”, em referencia ao aglomerado que, posteriormente, daria origem ao Partido Liberal inglês. Os historiadores e juristas consentem que o movimento constitucionalista inglês não se baseou em mudanças radicais na estrutura político-normativa do Reino Unido, propondo mudanças pontuais no sistema monárquico, que, diga-se de passagem, não foi extirpado como se observou na Revolução Francesa em 1789.

Com efeito, os ideais do “constitucionalismo whig” não se compatibilizam com propostas revolucionárias radicais, motivo pelo qual, é falsa a alternativa “d”.

Fique atento(a)!

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