terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O requisito da "compatibilidade de horários" para a acumulação de cargos públicos



De acordo com reiteradas postagens feitas neste blog, restou cediço que existe a possibilidade de acumulação de cargos públicos nas hipóteses previstas no art. 37, XVI, da CF/88, bem como a possibilidade de acumulação de um cargo com o mandato eletivo de Vereador, desde que, em todos os casos, haja compatibilidade de horários.

Quanto à questão específica da compatibilidade, é preciso ressaltar que, no ordenamento pátrio, não existe previsão legal ou constitucional que condicione a acumulação de cargos à determinada jornada de trabalho. A CF/88 exige apenas que, no caso concreto, haja a "compatibilidade de horário".

Entende o Superior Tribunal de Justiça que a efetiva comprovação da compatibilidade de horários não deve se limitar apenas à compatibilidade objetiva das horas de trabalho do servidor em ambos os cargos, sendo necessário restar claro que a dupla jornada não atingirá a saúde física e emocional do servidor de forma a inviabilizar a execução de suas funções com a necessária eficiência que dele se espera (RMS nº 17.089/MA, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 01/07/2005, p. 563).

Nesse sentido e com o intento de objetivar a questão, o Tribunal de Contas da União, em sede do Acórdão nº 2.133/2005 – 1ª Câmara, firmou o entendimento de que o servidor submetido a dois ou mais regimes de serviço que excedam a 60 horas semanais, fica impossibilitado de cumprir de maneira legal e lícita os seus deveres funcionais.

Vejamos, ainda trecho do Min. Guilherme Palmeira proferido no Acórdão nº 2861/2004 - 1ª Câmara:

"De acordo com a documentação acostada aos autos, a Sra. Letícia Souza de Freitas, quando de sua admissão no cargo de Auxiliar de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, ocorrida em 15/07/2002, era já ocupante de cargo homônimo na Prefeitura Municipal de São José - SC. Em ambas as instituições, a carga semanal de trabalho prevista era de 40 horas.

Embora a Constituição Federal, a partir da Emenda n. 34/2001, tenha excepcionado da proibição de acumular cargos públicos o exercício de 'dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas', o fez com a expressa ressalva de que, para tanto, deveria existir compatibilidade de horários.

A propósito, conquanto o texto constitucional, para efeito da verificação da compatibilidade de horários, não aluda expressamente à duração máxima da jornada de trabalho, as condições objetivas para a acumulação de cargos devem ser aferidas sob uma ótica restritiva, porquanto a hipótese, como dito, constitui exceção à regra geral de não-acumulação. Oportuna, sobre o ponto, é a lição de Carlos Maximiliano:

'Interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição. Assim se entendem os que favorecem algumas profissões, classes, ou indivíduos, excluem outros, estabelecem incompatibilidades, asseguram prerrogativas, ou cerceiam, embora temporariamente, a liberdade, ou as garantias da propriedade. Na dúvida, siga-se a regra geral.

(...)

Quando as palavras forem suscetíveis de duas interpretações, uma estrita, outra ampla, adotar-se-á aquela que for mais consentânea com o fim transparente da norma positiva.' (In Hermenêutica e aplicação do direito, R. Janeiro, Forense, 1994, pp. 313/4).

Nesse sentido, como anotou a Advocacia-Geral da União, no parecer referido pela instrução, 'por mais apto e dotado, física e mentalmente, que seja o servidor, não se concebe razoável entenderem-se compatíveis os horários cumpridos cumulativamente de forma a remanescer, diariamente, apenas oito horas [oito horas e meia, no caso do Sr. Washington Rodrigues de Oliveira] para atenderem-se à locomoção, higiene física e mental, alimentação e repouso'.

No caso da Sra. Letícia Souza de Freitas, é certo que a acomodação a que se chegou na prática - para viabilizar a acumulação - só foi possível em face da complacência de seus superiores hierárquicos, sobretudo na Prefeitura de São José. (...).

Não é demais salientar que os cargos públicos são criados com o objetivo precípuo de atender uma necessidade pública. É do interesse público, pois, que o servidor tenha condições de desempenhar, em sua plenitude e com exação, as atribuições do cargo provido. Como esperar isso de alguém com uma carga semanal de trabalho de 80 horas'."

Da mesma forma, a Advocacia-Geral da União, por meio do Parecer GQ nº 145/1998, ao tratar da acumulação remunerada de cargos públicos, concluiu que o servidor não poderá ultrapassar o limite de 60 (sessenta) horas semanais.

Não obstante, note-se que, no exame da efetiva compatibilidade de horário, os Tribunais não vêm se pautando pelos critérios objetivos fixados pelo TCU e pelo Parecer AGU GQ-145. Senão, vejamos o acórdão do STJ:

3. O direito à acumulação de cargos decorre de comando constitucional fixado nas alíneas do inciso XVI do art. 37 da Carta Magna; a Lei n. 8.112/90 repetiu os ditames constitucionais. Para que haja acumulação lícita, deve existir comprovadamente a compatibilidade de horários.
4. Ficou comprovado nos autos que o impetrante, apesar de possuir carga horária semanal maior do que 60 (sessenta) horas, laborava aos finais de semana e em regime de plantão, por meio de sobreaviso; desta forma, a comissão pode confirmar que a compatibilidade, tornava lícita a acumulação; o Parecer da Consultoria Jurídica deu entendimento diverso aos fatos, para que fossem amoldados aos termos do Parecer GQ-145, da AGU, sob o argumento do mesmo ser vinculante, o que, no caso concreto, não é cabível.
5. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que não é possível obstar o direito à acumulação de cargos prevista na Constituição Federal e na Lei aplicável, tão somente pelo cotejamento da carga horária semanal, com os termos de um Parecer. Precedente: MS 15.415/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 4.5.2011.
(...)
(STJ - MS nº 15663/DF, rel. Min. Humberto Martins, DJe 28/03/2012)

Em conclusão, não há um limite objetivo inexorável para atestar a compatibilidade de horários. De todo modo, quando do exame do caso concreto, mostra-se imprescindível observar se a carga horária da dupla jornada possibilita ao servidor, de forma razoável, um adequado período destinado ao descanso (inter-jornada e intrajornada), alimentação e locomoção.

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