A seguir a entrevista completa concedida pelo Prof. Victor Amorim ao Jornal Santuário da Aparecida a respeito das discussões jurídicas sobre a distribuição dos royalties do petróleo no Brasil:
1) A Lei
12.734/2012 altera as regras de distribuição dos royalties da exploração do
petróleo e outros recursos naturais. Com a derrubada dos vetos impostos pela
presidência, o assunto foi parar no STF. Como acredita que deve ser o
posicionamento da suprema corte nessa questão?
Inicialmente, para
responder a questão, são necessários alguns esclarecimentos sobre o tema.
A Constituição
Federal, em seu art. 20, estabelece que o petróleo e os recursos minerais do
subsolo são de propriedade da União. Apesar de constituir bem da União, o §1º
do mesmo dispositivo assegura aos Estados, Distrito Federal e Municípios uma
participação no resultado da exploração do petróleo ou gás natural.
Desde a criação da
Petrobrás em 1953, foi instituída a obrigação de pagamento de royalties por
parte das empresas exploradoras, constituindo-se como um pagamento pelo direito
de exploração dos recursos minerais. Atualmente, a matéria é regulamentada pelas
Leis nº 9.478/1997, nº 12.351/2010 e nº 12.734/2012.
Ficou estabelecido
o regime de partilha de produção, segundo o qual o contratado exerce, por sua
conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e
produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do
custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem
como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos
estabelecidos em contrato.
Desde a Lei nº
9.478/1997, foram sendo formalizados contratos com empresas privadas para a
exploração e produção de petróleo no Brasil. Com os referidos contratos,
restaram concluídos os atos jurídicos que implicam em pagamento de royalties ao
Governo Federal. O problema passou então para a etapa posterior: a forma de distribuição
dos royalties entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A questão da
partilha tomou maior vulto após o anúncio da descoberta da camada pré-sal e a
viabilidade econômica de sua exploração.
Nesse sentido,
inicialmente, com a redação original da Lei nº 12.734, sancionada em 30/11/2012,
foi estabelecido um sistema de distribuição favorável aos Estados e aos
Municípios produtores.
Na oportunidade da
sanção ao projeto que resultou na Lei nº 12.734/2012, a Presidente da República
vetou alguns dispositivos que tratavam da divisão dos royalties em contratos em
operação, porquanto, na visão do Poder Executivo, a alteração da sistemática de
distribuição não poderia afetar os contratos ainda em vigor.
Para preencher as
lacunas deixadas pelos vetos, a Presidente editou uma Medida Provisória que
destina 100% dos royalties para investimentos em educação e restabelece os
percentuais de participação especial e royalties aprovados no Congresso
Nacional para contratos já assinados e firmados a partir da data da vigência da
MP (03/12/2012).
Ocorre que,
conforme previsto no art. 66, §4º, da Constituição, o Congresso Nacional, em
sessão realizada no dia 07/03/2013, derrubou os vetos, o que significou a
aplicação das novas regras de distribuição aos contratos cuja execução
encontra-se em curso.
Após a promulgação
dos dispositivos vetados (14/03/2013), entrará em vigor uma nova fórmula de
distribuição dos royalties provenientes da exploração do petróleo que retira
parte dos recursos dos Estados produtores (Rio de Janeiro, Espírito Santo e São
Paulo) e da União, para dividi-los de forma mais igualitária entre todos os
Estados brasileiros.
Portanto, a grande
discussão situa-se no campo da constitucionalidade da aplicação de um novo
regime jurídico de distribuição dos royalties aos contratos em curso ao tempo
da promulgação da respectiva lei. Daí a necessidade de submeter a matéria ao
Supremo Tribunal Federal.
A discussão será em
torno do princípio da segurança jurídica e da aplicação do inciso XXXVI, art.
5º, da Carta Magna. De toda forma, o STF deve, num primeiro momento, avaliar se
as novas regras de distribuição afetam a essência dos contratos ou se a
alteração dos percentuais dos resultados da exploração constitui-se apenas como
um efeito do contrato, ou seja, um elemento acessório e que não compõe a
essência do instrumento contratual.
A conclusão da
Suprema Corte variará de acordo com tal análise. Se as regras de distribuição
forem consideradas inerentes aos contratos, os dispositivos questionados são,
de fato, inconstitucionais. Se as regras de distribuição foram consideradas
como elemento estranho ao contrato, não haverá inconstitucionalidade.
2) O veto da
presidência a alguns dispositivos da legislação foi motivado pela possibilidade
de ruptura de contratos em vigência. Até que ponto a interrupção de contratos é
inconstitucional?
Será
inconstitucional desde que o STF entenda que as novas regras de distribuição
afetam a essência dos contratos. Nesse caso, haverá atentado ao ato jurídico
perfeito.
3) No caso do
petróleo e do gás, os royalties compensam financeiramente o proprietário da
terra ou área onde ocorre a extração. Com a nova legislação, o que deve mudar
nessa distribuição?
Ao tratar da
participação dos entes federativos nos resultados da exploração de petróleo e
do gás, o art. 20, §1º, da Constituição não estabelece que o critério de
distribuição se dê, inexoravelmente, em razão da compensação financeira
decorrente da exploração. Na verdade, o texto constitucional menciona a
compensação como um dos possíveis critérios orientativos da distribuição.
Portanto, há um elemento político na tomada dessa decisão. Por outro lado não
há dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei que ignorasse por completo as medidas
de compensação financeira aos Estados e Municípios produtores. Contudo, não se
pode dizer que a simples alteração do percentual de repasse aos Estados e
Municípios não-produtores seja evidentemente inconstitucional. Se a
Constituição franqueia o estabelecimento de tais critérios à esfera política,
não se pode judicializar a questão.
4) A nova lei segue
algum padrão de distribuição de royalties adotado em outros países do mundo?
Qual seria?
O modelo de
partilha vigente no Brasil teve como ponto de partida a experiência da Noruega.
Contudo, é preciso reconhecer uma série de diferenças em relação ao modelo do
país nórdico, onde as reservas petrolíferas são decrescentes. Ademais, na
Noruega não ocorre licitação para escolha dos investidores, afinal lá o Estado
investe como sócio. O novo modelo brasileiro foi desenvolvido de maneira a
refletir as peculiaridades nacionais do setor e sua perspectiva de aumento de
reservas e produção, aproveitando as experiências bem sucedidas de outros
países.
5) A que atribui as
disputas e polêmicas para a aprovação da referida legislação?
Basicamente, as
implicações financeiras. Toda potencial fonte de recursos para Estados e
Municípios é objeto de intensas disputas no Congresso Nacional. Enquanto não se
discutir, de forma efetiva e eficaz, o nosso pacto federativo e se rever a
intensa concentração de recursos nas mãos da União, será comum presenciarmos as
brigas fraticidas entre os representantes dos Estados no Congresso.
6) No caso dos
estados produtores, como o Rio de Janeiro, as perdas podem ultrapassar os R$
3,4 bilhões no próximo ano, comprometendo uma série de investimentos. Realmente
corre-se o risco do cancelamento da Copa do Mundo e Olimpíadas e qual seria a
saída legal para a manutenção desses eventos?
Creio que não.
Entendo que a luta dos Estados produtores para garantir a forma de distribuição
vigente à época da assinatura dos contratos vigentes é legitima. Se acreditam
que a promulgação dos dispositivos vetados é inconstitucional, que procurem a
instância própria, no caso, o Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, dado o
relevante componente político da discussão, não é absurdo observar os discursos
e ameaças contundentes dos Governadores prejudicados. Afinal, é uma das armas
que eles dispõem. Mas, trata-se apenas de um recurso midiático. Em termos
jurídicos, não há respaldo para as ações propostas pelo Governador Sérgio
Cabral no sentido de suspender os pagamentos das empresas contratadas para a
execução das obras e serviços relacionados à Copa do Mundo e às Olimpíadas.
7) O próprio Estado
do Rio de Janeiro entrará com Ação Direta de Inconstitucionalidade, pelo fato
de a proposta alterar a Constituição Federal. Acredita que haverá reversão do
caso, através desse argumento? Por quê?
Como disse, é plenamente
possível que o STF julgue procedente a ação proposta pelo Estado do Rio de
Janeiro no sentido de declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos que
estabelecem a aplicabilidade de novas regras aos contratos já em vigor. A
discussão será em torno do princípio da segurança jurídica e da aplicação do
inciso XXXVI, art. 5º, da Carta Magna.
Realmente, o
argumento central é a contrariedade à Constituição de uma norma legal que
determine a sua aplicação a contrato já em vigor. Entendo em há grande chances
de a ação ser julgada procedente pelo Supremo, desde que se entenda que as
novas regras de distribuição afetam a essência dos contratos.
8) Outro argumento
utilizado pelo Rio de Janeiro é que a nova lei viola o pacto federativo, já que
a Constituição estabelece um acordo para compensar os Estados produtores com o
repasse de ICMS. Como avalia essa questão?
De fato, o Estado
do Rio de Janeiro sustenta haver uma conexão sistemática entre os artigos 20, §
1º, e 155, § 2º, X, “b”, da Constituição, de modo que haveria uma exigência
constitucional no sentido de garantir que os Estados e Municípios produtores
sejam recompensados. Assim, o legislador federal deveria prever, a título de
participação, uma projeção do ICMS que os referidos Estados deixaram de arrecadar,
acrescida de um adicional, razoavelmente correspondente aos riscos e ônus da
atividade de exploração do petróleo.
Entendo que o
argumento seja convincente, porquanto é bem estruturado. A intenção do art.
155, §2º, X, “b”, da Constituição é bem clara quanto à finalidade
compensatória, tendo por instrumento o ICMS. Contudo, na minha visão, trata-se
de um argumento secundário na discussão sobre os royalties.
9) A
nova legislação propõe uma melhor distribuição dos royalties gerados pela
extração de petróleo e outros recursos. Na prática, como é possível garantir
que esses recursos sejam efetivamente empregados em favor da coletividade?
Por
meio da mesma legislação que disciplina a forma de participação e distribuição
dos royalties. Busca-se assim uma regulamentação completa, pela qual se prevê
os percentuais devidos a cada ente federativo e, ainda, a forma de aplicação
destes recursos. Não há qualquer novidade nisso. É comum no Brasil uma lei que,
ao instituir um tributo, vincule a aplicação dos valores arrecadados à
determinada finalidade. O fato é que, no caso específico dos royalties, a
Constituição não vincula o legislador quanto à finalidade dos recursos. Logo,
trata-se de uma questão política que deverá ser resolvida na instância
adequada: o Congresso Nacional.
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