quarta-feira, 10 de abril de 2013

Royalties do petróleo: entenda os fundamentos da discussão

A seguir a entrevista completa concedida pelo Prof. Victor Amorim ao Jornal Santuário da Aparecida a respeito das discussões jurídicas sobre a distribuição dos royalties do petróleo no Brasil:
 
1) A Lei 12.734/2012 altera as regras de distribuição dos royalties da exploração do petróleo e outros recursos naturais. Com a derrubada dos vetos impostos pela presidência, o assunto foi parar no STF. Como acredita que deve ser o posicionamento da suprema corte nessa questão?
 
Inicialmente, para responder a questão, são necessários alguns esclarecimentos sobre o tema.
 
A Constituição Federal, em seu art. 20, estabelece que o petróleo e os recursos minerais do subsolo são de propriedade da União. Apesar de constituir bem da União, o §1º do mesmo dispositivo assegura aos Estados, Distrito Federal e Municípios uma participação no resultado da exploração do petróleo ou gás natural.
 
Desde a criação da Petrobrás em 1953, foi instituída a obrigação de pagamento de royalties por parte das empresas exploradoras, constituindo-se como um pagamento pelo direito de exploração dos recursos minerais. Atualmente, a matéria é regulamentada pelas Leis nº 9.478/1997, nº 12.351/2010 e nº 12.734/2012.
 
Ficou estabelecido o regime de partilha de produção, segundo o qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato.
 
Desde a Lei nº 9.478/1997, foram sendo formalizados contratos com empresas privadas para a exploração e produção de petróleo no Brasil. Com os referidos contratos, restaram concluídos os atos jurídicos que implicam em pagamento de royalties ao Governo Federal. O problema passou então para a etapa posterior: a forma de distribuição dos royalties entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
 
A questão da partilha tomou maior vulto após o anúncio da descoberta da camada pré-sal e a viabilidade econômica de sua exploração.
 
Nesse sentido, inicialmente, com a redação original da Lei nº 12.734, sancionada em 30/11/2012, foi estabelecido um sistema de distribuição favorável aos Estados e aos Municípios produtores.
 
Na oportunidade da sanção ao projeto que resultou na Lei nº 12.734/2012, a Presidente da República vetou alguns dispositivos que tratavam da divisão dos royalties em contratos em operação, porquanto, na visão do Poder Executivo, a alteração da sistemática de distribuição não poderia afetar os contratos ainda em vigor.   
 
Para preencher as lacunas deixadas pelos vetos, a Presidente editou uma Medida Provisória que destina 100% dos royalties para investimentos em educação e restabelece os percentuais de participação especial e royalties aprovados no Congresso Nacional para contratos já assinados e firmados a partir da data da vigência da MP (03/12/2012).
 
Ocorre que, conforme previsto no art. 66, §4º, da Constituição, o Congresso Nacional, em sessão realizada no dia 07/03/2013, derrubou os vetos, o que significou a aplicação das novas regras de distribuição aos contratos cuja execução encontra-se em curso.
 
Após a promulgação dos dispositivos vetados (14/03/2013), entrará em vigor uma nova fórmula de distribuição dos royalties provenientes da exploração do petróleo que retira parte dos recursos dos Estados produtores (Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo) e da União, para dividi-los de forma mais igualitária entre todos os Estados brasileiros.
 
Portanto, a grande discussão situa-se no campo da constitucionalidade da aplicação de um novo regime jurídico de distribuição dos royalties aos contratos em curso ao tempo da promulgação da respectiva lei. Daí a necessidade de submeter a matéria ao Supremo Tribunal Federal.
 
A discussão será em torno do princípio da segurança jurídica e da aplicação do inciso XXXVI, art. 5º, da Carta Magna. De toda forma, o STF deve, num primeiro momento, avaliar se as novas regras de distribuição afetam a essência dos contratos ou se a alteração dos percentuais dos resultados da exploração constitui-se apenas como um efeito do contrato, ou seja, um elemento acessório e que não compõe a essência do instrumento contratual.
 
A conclusão da Suprema Corte variará de acordo com tal análise. Se as regras de distribuição forem consideradas inerentes aos contratos, os dispositivos questionados são, de fato, inconstitucionais. Se as regras de distribuição foram consideradas como elemento estranho ao contrato, não haverá inconstitucionalidade.
 
2) O veto da presidência a alguns dispositivos da legislação foi motivado pela possibilidade de ruptura de contratos em vigência. Até que ponto a interrupção de contratos é inconstitucional?
 
Será inconstitucional desde que o STF entenda que as novas regras de distribuição afetam a essência dos contratos. Nesse caso, haverá atentado ao ato jurídico perfeito.
 
3) No caso do petróleo e do gás, os royalties compensam financeiramente o proprietário da terra ou área onde ocorre a extração. Com a nova legislação, o que deve mudar nessa distribuição?
 
Ao tratar da participação dos entes federativos nos resultados da exploração de petróleo e do gás, o art. 20, §1º, da Constituição não estabelece que o critério de distribuição se dê, inexoravelmente, em razão da compensação financeira decorrente da exploração. Na verdade, o texto constitucional menciona a compensação como um dos possíveis critérios orientativos da distribuição. Portanto, há um elemento político na tomada dessa decisão. Por outro lado não há dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei que ignorasse por completo as medidas de compensação financeira aos Estados e Municípios produtores. Contudo, não se pode dizer que a simples alteração do percentual de repasse aos Estados e Municípios não-produtores seja evidentemente inconstitucional. Se a Constituição franqueia o estabelecimento de tais critérios à esfera política, não se pode judicializar a questão.
 
4) A nova lei segue algum padrão de distribuição de royalties adotado em outros países do mundo? Qual seria?
 
O modelo de partilha vigente no Brasil teve como ponto de partida a experiência da Noruega. Contudo, é preciso reconhecer uma série de diferenças em relação ao modelo do país nórdico, onde as reservas petrolíferas são decrescentes. Ademais, na Noruega não ocorre licitação para escolha dos investidores, afinal lá o Estado investe como sócio. O novo modelo brasileiro foi desenvolvido de maneira a refletir as peculiaridades nacionais do setor e sua perspectiva de aumento de reservas e produção, aproveitando as experiências bem sucedidas de outros países. 
 
5) A que atribui as disputas e polêmicas para a aprovação da referida legislação?
 
Basicamente, as implicações financeiras. Toda potencial fonte de recursos para Estados e Municípios é objeto de intensas disputas no Congresso Nacional. Enquanto não se discutir, de forma efetiva e eficaz, o nosso pacto federativo e se rever a intensa concentração de recursos nas mãos da União, será comum presenciarmos as brigas fraticidas entre os representantes dos Estados no Congresso.
 
6) No caso dos estados produtores, como o Rio de Janeiro, as perdas podem ultrapassar os R$ 3,4 bilhões no próximo ano, comprometendo uma série de investimentos. Realmente corre-se o risco do cancelamento da Copa do Mundo e Olimpíadas e qual seria a saída legal para a manutenção desses eventos?
 
Creio que não. Entendo que a luta dos Estados produtores para garantir a forma de distribuição vigente à época da assinatura dos contratos vigentes é legitima. Se acreditam que a promulgação dos dispositivos vetados é inconstitucional, que procurem a instância própria, no caso, o Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, dado o relevante componente político da discussão, não é absurdo observar os discursos e ameaças contundentes dos Governadores prejudicados. Afinal, é uma das armas que eles dispõem. Mas, trata-se apenas de um recurso midiático. Em termos jurídicos, não há respaldo para as ações propostas pelo Governador Sérgio Cabral no sentido de suspender os pagamentos das empresas contratadas para a execução das obras e serviços relacionados à Copa do Mundo e às Olimpíadas.
 
7) O próprio Estado do Rio de Janeiro entrará com Ação Direta de Inconstitucionalidade, pelo fato de a proposta alterar a Constituição Federal. Acredita que haverá reversão do caso, através desse argumento? Por quê?
 
Como disse, é plenamente possível que o STF julgue procedente a ação proposta pelo Estado do Rio de Janeiro no sentido de declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos que estabelecem a aplicabilidade de novas regras aos contratos já em vigor. A discussão será em torno do princípio da segurança jurídica e da aplicação do inciso XXXVI, art. 5º, da Carta Magna.
 
Realmente, o argumento central é a contrariedade à Constituição de uma norma legal que determine a sua aplicação a contrato já em vigor. Entendo em há grande chances de a ação ser julgada procedente pelo Supremo, desde que se entenda que as novas regras de distribuição afetam a essência dos contratos.
 
8) Outro argumento utilizado pelo Rio de Janeiro é que a nova lei viola o pacto federativo, já que a Constituição estabelece um acordo para compensar os Estados produtores com o repasse de ICMS. Como avalia essa questão?
 
De fato, o Estado do Rio de Janeiro sustenta haver uma conexão sistemática entre os artigos 20, § 1º, e 155, § 2º, X, “b”, da Constituição, de modo que haveria uma exigência constitucional no sentido de garantir que os Estados e Municípios produtores sejam recompensados. Assim, o legislador federal deveria prever, a título de participação, uma projeção do ICMS que os referidos Estados deixaram de arrecadar, acrescida de um adicional, razoavelmente correspondente aos riscos e ônus da atividade de exploração do petróleo.
 
Entendo que o argumento seja convincente, porquanto é bem estruturado. A intenção do art. 155, §2º, X, “b”, da Constituição é bem clara quanto à finalidade compensatória, tendo por instrumento o ICMS. Contudo, na minha visão, trata-se de um argumento secundário na discussão sobre os royalties.
 
9) A nova legislação propõe uma melhor distribuição dos royalties gerados pela extração de petróleo e outros recursos. Na prática, como é possível garantir que esses recursos sejam efetivamente empregados em favor da coletividade?
 
Por meio da mesma legislação que disciplina a forma de participação e distribuição dos royalties. Busca-se assim uma regulamentação completa, pela qual se prevê os percentuais devidos a cada ente federativo e, ainda, a forma de aplicação destes recursos. Não há qualquer novidade nisso. É comum no Brasil uma lei que, ao instituir um tributo, vincule a aplicação dos valores arrecadados à determinada finalidade. O fato é que, no caso específico dos royalties, a Constituição não vincula o legislador quanto à finalidade dos recursos. Logo, trata-se de uma questão política que deverá ser resolvida na instância adequada: o Congresso Nacional.
 

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